Ela acabou de banhar-se e pode sentir que estava diferente, ao mesmo tempo, a fraqueza que sentia havia passado. Agora ela considerava-se mulher, embora não tivesse consumado o ato. Ela podia sentir a frieza tomando conta de seu ser, vindo dos cantos mais remotos de sua alma. Mas que alma? Ela já não tinha certeza se ainda a possuía, ela se vestiu com as vestes negras de colarinho alto, eram um conjunto singular, uma bela blusa que deixava seus seios expostos, em uma cor pálida que nunca tiveram, a blusa parecia ser cravejada com alguma pedra preciosa verde, tinha detalhes em prata também. A saia delineava seu corpo, como se encaixasse nele de forma perfeita, não cobrindo, mas emoldurando, e por fim uma capa com capuz de um veludo que não era preto, mas de uma cor tão escura que nem nas noites mais sombrias ela tinha enxergado no céu. Ela pode reparar em seus cabelos, eles estavam secos, mas com brilho. Podia senti-los como a uma seda, e, por incrível que isso pudesse parecer, eles emanavam um perfume esplêndido, ela estava surpresa consigo mesma. Ela havia ficado do jeito que sempre quisera, bela, fatal e sedutora, parecia que havia nascido de novo, e realmente nascera. Nascera para a morte e era aquilo que a perturbava nesse instante, uma sensação de perda, de vazio, de que alguma coisa estava errada. Sim alguma coisa estava errada, ela podia sentir, estava tudo fácil de mais, sem dificuldade nenhuma, e no fundo ela sabia que não era assim, ela sabia que a vida de um vampiro era marcada por tragédias, era uma espécie de pagamento por ter que tirar vidas... Foi aí que ela percebeu que tinha se tornado uma assassina natural. Uma ameaça à humanidade, seu principal alimento agora era sangue, sangue que iria pertencer a pessoas inocentes, crianças, mulheres idosos, doentes, chefes de família, pessoas que não mereciam participar da carnificina em que eram o prato principal. Aquela estava sendo uma Era escura, os vampiros cresceram de número assustadoramente, como nunca antes registrado, todas as noites eram um verdadeiro inferno, em uma guerra conduzida por soldados das trevas, que saiam de suas profundezas para buscar almas, sugar vidas, em troco da eternidade. De repente, ela sentiu sua cabeça rodopiar, como se tudo em sua volta estivesse fora de seu lugar. Procurou o primeiro lugar a sua frente para se apoiar, aquela fraqueza era estranha, ela sentiu algo parecido com fome, mas não era igual ao que sentia antes, era a sede. Ela se deu conta disso e sua tontura teve uma piora significativa, que foi seguida de uma seqüência de vidros se espatifando no chão, o que chamou a atenção de um belo homem que a esperava do lado de fora do quarto. - Fahrah? – ele entrou como um raio dentro de seus aposentos e se deparou com a moça caída no chão, com a cabeça escorada em uma espécie de penteadeira. – O que houve, meu anjo? - Vlad, estou me sentindo mal, mas já deve passar.- sua voz estava cansada, como se estivesse sem forças. Ele ficou tanto feliz quanto surpreso por ela o chamar por seu primeiro nome. Nunca teve a pretensão de esperar que ela o chamasse daquele jeito, mas ele teria que se acostumar, ela seria sua esposa dali em diante, pelo menos era o que ele esperava, apesar das circunstancias atuais. Ele simplesmente sorriu, como se estivesse aliviado. - Como eu pude esquecer? Tome, beba isso. – ele parecia saber do que estava falando. Ele alcançou a ela um pequeno frasco, de cor verde, com um formato achatado. Ela nunca tinha visto algo daquele jeito, mas simplesmente bebeu. Queria que aquilo tudo passasse de uma vez, não suportaria aquilo por mais um minuto que fosse. Ela virou o frasco em sua boca e foi como se tivesse bebido um elixir mágico, sua boca estalava como se sua vida dependesse daquilo, tinha um gosto singular, nunca provado antes. Logo ela parou de tomar o líquido em pequenos goles e simplesmente virou o conteúdo do frasco inteiramente em sua boca, sujando seus lábios. Não pode conter o sorriso de satisfação que surgiu em seu rosto quando abriu os olhos e viu tudo diferente, embora tudo estivesse em seu devido lugar. Ela se levantou, encarou o conde parado à sua frente, ele mantinha os olhos fixos nela e, ao mesmo tempo, um belo sorriso. Ela percebeu que um filete de sangue escorria pelo canto de seus lábios, mas não deu importância, e como se em um impulso, caminhou até ele, se pendurou em seu pescoço e, em seguida, fechou os olhos. Fahrah sentiu que ele lambeu o filete de sangue que escorrera pelo canto de sua boca e, antes de se entregar ao melhor beijo que já dera – o segundo até ali –, ela pode ouvir algo como “Tinha minhas duvidas, mas agora já conquistei a certeza.”. Ela acordara, estava deitada em uma cama macia, dentro de um quarto muito mais luxuoso do que o que estava antes. Sentia-se bem, com uma sensação de conforto que nunca tivera, ela se sentira amada, nunca vivera uma experiência como aquela. Era simplesmente maravilhosa. Ela sentou-se e pegou uma taça que estava em cima do criado-mudo, ao lado da cama. O cheiro daquele liquido a atraia, ela reconheceu como sangue fresco. Agora, aquela idéia não a assustava mais, ela gostou, não queria pensar de onde aquilo teria vindo e, principalmente, de quem, ela apenas queria bebê-lo. Ela parou o que estava fazendo, olhou para a janela, e viu um homem seminu, observando a noite debruçado no beiral de uma janela que, ao seu ver, estava mais para uma bela pintura, sombria, mas que nem por isso deixava de ser bela. - Vlad? Você está bem?- ela se aproximou dele por trás e o abraçou pela cintura. - Eu não sei... – seu olhar era vago, deixou de passar aquela habitual confiança. - Pensei que você estaria feliz, principalmente depois de hoje... – ela ainda era comedida em suas palavras, era uma menina do interior, não estava acostumada em ter aqueles termos – Mas agora temos que nos casar! Tenho uma honra a zelar. Ele sorriu, um sorriso vazio e sem graça, como se já estivesse esperando por aquilo. – Fahrah querida, já estamos casados. - Mas e eu? Até onde saiba, eu não participei desse casamento. – ela estava confusa, e parcialmente engraçada, parecia uma criança que acabara de perder seu brinquedo. - Meu anjo, você participou desse casamento bem ali, naquela cama. – ele lhe falava aquilo como se fosse algo óbvio. – E participou muito bem, diga-se de passagem. – ele tentou arrancar um sorriso dela, mas tudo o que conseguiu foi uma face mais ou menos corada. - Mas vocês casam assim? Sem comunicar a ninguém? Vocês simplesmente... – parecia que ela havia engasgado e que aquela palavra não saia de sua boca. - Não, meu anjo. Se fosse assim, muitos de nós teríamos uma família em cada vilarejo do mundo. – ela fizera cara feia. – Calma, eu não sou assim – pelo menos não em cada vilarejo, pensou ele. - Nós não nos casamos porque nos deitamos, e sim pelo fato que você acabou de consumar. - Você poderia me explicar que fato foi esse? – ela pensava nas últimas coisas que havia feito, embora algumas lembranças lhe faziam admirar o chão com atenção. - Você gostou do que bebeu? - Gostei, era sangue. – ela achava aquilo obvio. Se era uma vampira, é claro que iria gostar de sangue. – Ou não era? - Era sim, o que você sentiu quando você bebeu aquele sangue? – aquela ainda não era a resposta que ele esperava ouvir. - Uma sensação muito boa, como se minha vida tivesse...tivesse – ela estava buscando a palavra certa para definir aquele momento. - Mudado, e mudado completamente. Aquele sangue era meu, foi assim que você se casou comigo. – ele mostrou um pequeno corte quase invisível que se fechava sob uma cicatriz que tinha em seu braço esquerdo. Ela olhava estupefata para ele. Seria aquilo verdade? - Porque você não me disse antes de eu beber? Agora estou casada e não entendo como. - Porque tinha medo, medo de que você não aceitasse se casar comigo, mas entenda que é a única forma de lhe manter segura. – ele caminhou em sua direção, segurou seu queixo e fez com que ela olhasse dentro dos olhos dele. – O casamento vampiro é composto por três etapas: a primeira é a consumação de um sentimento, não costumamos falar em amor, muitos de nós não aceitam o uso dessa palavra. – ela o olhou meio surpresa. – Nem todos os vampiros, Fahrah, são como eu, em sua maioria são cruéis, não aceitam o mínimo respeito e só o interesse próprio, nada além disso. A segunda é a queima de alianças, geralmente, o vampiro recém-mordido, não tem forças para lembrar, é uma sensação de êxtase, muito forte para você agüentar. É um rito mágico que, conforme você aprender magia, vai conseguir entender. E o terceiro é a troca de sangue, coisa que acabou de se completar. Eu te mordi e você bebeu meu sangue, é isso, estamos casados. - E você só me informa isso agora? E se eu não quisesse me casar – coisa que ela sabia que não era verdade – Não tive direito de escolha! - Entenda Fahrah! Era a única forma de lhe proteger! – ele estava desesperado em suas palavras – Eu odeio admitir, Srta. Mountgormay, mas sempre senti algo por ti, e sempre quis tê-la do meu lado. Tê-la aqui para protegê-la, lhe guardar desse mundo que é mau e a única forma disso acontecer era me casando com você. - Você sempre fala em me proteger, mas me proteger de que? - No fundo ela não queria saber a resposta. - Fahrah, Fahrah, me acompanhe - e a pegando pelo braço, a conduziu para fora daquele ambiente.
29 setembro 2009
O Sibilo da Serpente Cap.11
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